QUEM É
Nasceu em 1945 na França, filho de judeus-alemães que fugiram do nazismo. Mudou-se para a Alemanha na adolescência e voltou à França em 1966 para estudar Sociologia em Nanterre
O QUE FAZ
Expulso da França depois de maio de 68, entrou para o movimento anarquista alemão. Em 1984, aderiu ao Partido Verde. Em 1994, foi eleito para o Parlamento Europeu. Hoje vive com a mulher, o filho e o enteado em Frankfurt
ÉPOCA – O senhor disse que seu livro sobre 1968 foi motivado por uma declaração do então candidato à Presidência da França, Nicolas Sarkozy, em maio de 2007: “Quero liquidar 68”. Por quê? Daniel Cohn-Bendit – Na realidade, eu não tinha previsto fazer nada pela comemoração de 40 anos. Mas, depois da intervenção de Sarkozy, senti-me obrigado a responder, porque ele pôs nas costas de 1968 todos os males de nossa sociedade. Decidi dar minha versão da herança de maio de 68.
ÉPOCA – E qual é sua versão? Cohn-Bendit – Eu disse que o que se passou na França em 1968, e o que aconteceu em 1967 e 1968 em outros países, como na Alemanha e nos Estados Unidos, foi uma época formidável, um fator de modernização e liberalização de nossa sociedade. Mas que devemos esquecer, porque nos encontramos diante de outros problemas. Refazer o debate do que aconteceu há 40 anos não serviria para nada.
ÉPOCA – Como o senhor descreve os acontecimentos daquele mês? Cohn-Bendit – O problema era bem simples. A partir do momento em que a polícia ocupou a universidade, o movimento não tinha mais uma sede. O receio era de que as pessoas tentassem desalojar a polícia da universidade, o que não era possível. As barricadas foram um movimento de cerco. Na famosa noite das barricadas, houve uma negociação no início. Propusemos abrir as universidades. Mas o poder não quis. O poder não queria, sobretudo, negociar comigo. Quando souberam que eu fazia parte da comissão negociadora, eles recusaram.
ÉPOCA – Por quê? Cohn-Bendit – Porque eu era o “malvado”.
ÉPOCA – Uma das críticas a maio de 68 é que o movimento intensificou o sentimento de individualismo, o que teria, paradoxalmente, dado origem às idéias “neoliberais”. A direita se apropriou de maio de 68? Cohn-Bendit – Isso é o que disse Sarkozy. O movimento de 1968 foi muito solidário, social. É uma idiotice culpar maio de 68 pelo individualismo e pelo egoísmo do neoliberalismo. Confundem autonomia com egoísmo. Era um movimento coletivo, com indivíduos autônomos. Há aí uma mistura de estações. Os grandes patrões franceses, com seus “pára-quedas dourados” (indenizações milionárias de demissão), não têm nada a ver com 68.
ÉPOCA – O que 1968 representou para as mulheres? Cohn-Bendit – As mulheres reivindicavam sua autonomia, no interior do movimento, ante os homens e a sociedade. O movimento feminista não começou em 1968, mas a radicalização daquela época permitiu às mulheres recomeçar. É bom lembrar que até 1965 ou 1966, na França, uma mulher casada que quisesse trabalhar ou abrir uma conta no banco era obrigada a pedir autorização por escrito para seu marido. Essa era a sociedade francesa dos anos 60. Era uma concepção de que o homem, o pai, o chefe da família decide, assim como De Gaulle era o chefe da França, o chefe da “família França”.
ÉPOCA – No livro, o senhor elogia Charles de Gaulle, então presidente da França e maior alvo do movimento dos estudantes em 1968. Seu discurso mudou? Cohn-Bendit – Não. Eu disse que De Gaulle modernizou economicamente a França. Negar isso não serve para nada. Mas ele não compreendeu nada da evolução da sociedade francesa. Seu extraordinário saldo de modernização foi ofuscado por uma moral e uma concepção da sociedade paternalista e autoritária completamente ultrapassadas.
ÉPOCA – Recentemente o senhor reencontrou Maurice Grimaud, o chefe de polícia de Paris em 1968, ainda lúcido aos 95 anos. Como foi esse reencontro? Cohn-Bendit – Foi uma iniciativa da revista Le Point. É interessante. Grimaud, que era um homem de esquerda, se opunha ao poder gaullista. Ele queria manter a ordem, mas ao mesmo tempo dizia que aquele era um movimento social que De Gaulle não compreendia. Ele tentou equilibrar a intervenção da polícia, o que não conseguiu. E foi contra minha expulsão. Dizia que eu era alguém capaz de controlar e de canalizar o movimento, para que ele não fugisse do controle.
ÉPOCA – Em maio de 1968 o senhor era conhecido como Danny, o Vermelho. Como o senhor se converteu em Danny, o Verde? Cohn-Bendit – Depois de maio de 68, fui expulso da França, porque eu era de nacionalidade alemã. Participei do movimento estudantil alemão, trabalhei em um jardim-de-infância, depois numa livraria, editei uma revista alternativa em Frankfurt chamada Pflasterstrand (algo como “praia sob o asfalto”). No fim dos anos 70, houve na Alemanha um movimento alternativo, antinuclear. E uma parte desse movimento alternativo passou para o movimento ecologista.
ÉPOCA – O senhor comparou Lula a Nicolas Sarkozy, dizendo que os dois têm um discurso contraditório sobre ecologia. O que o senhor quis dizer? Cohn-Bendit – Acredito que Lula represente a tradição socialista. É o produtivismo socialista, a velha escola socialista, a monocultura, o biocombustível, a retomada da energia nuclear, a intensificação da agricultura por meio dos transgênicos. Acho que ele não tem a menor idéia daquilo que compreendemos sobre a evolução do planeta.
ÉPOCA – Como o senhor viu a saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente?Cohn-Bendit – Ela pediu demissão porque não podia mais. Ela era a “consciência ambiental” de Lula, mas não podia fazer nada. Não conheço Carlos Minc, talvez o tenha visto uma ou outra vez. Sei que ele foi do Partido Verde. Mas a verdadeira consciência ecologista do Brasil é Fernando Gabeira.
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